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domingo, 11 de dezembro de 2022

Um álbum incrível para ouvir várias e várias vezes: Folk Songs - Egberto Gismonti, Jan Garbarek e Charlie Haden.

 


Olá.

Mais um post sobre discos incríveis aqui no nosso blog. Na postagem de hoje vamos falar um pouco sobre o disco Folk Songs de Egberto Gismonti em parceria com o saxofonista Jan Garbarek e o baixista Charlie Haden. Esse disco foi gravado em 1979 e lançado em 1981. É jazz? Eu não acho ... mas pode ser. O que sei com toda certeza é que a sonoridade enigmática que esses três magos da improvisação conseguem nas seis faixas desse memorável registro é um verdadeiro deleite para qualquer ouvinte sensível a este tipo de linguagem musical. As faixas do disco são:

1. Folk Song - No streaming aparece como sendo de autoria de Jan Garbarek. Mas no artigo da Wikipedia que fala sobre esse disco mostra como "tema tradicional". É impressionante o clima de mistério, tradição e sofisticação dessa primeira faixa ... Gismonti traz todo um orientalismo com seu som de viola brasileira. A combinação das cordas de aço de seu instrumento com o baixo acustico de Haden, entrecortado pelas lamentações de Garbarek será uma constante no disco todo.

2. Bodas de Prata - Egberto Gismonti e Geraldo Carneiro dividem a autoria dessa segunda faixa. O piano improvisado característico de Egberto Gismonti monta a cena para o belo discurso melódico do sax de Garbarek ... sempre com muito suporte dos comentários do baixo de Haden. A fórmula de revezamento da instrumentação (ora com piano, ora com viola) será o grande trunfo para a expressiva variação de sonoridades alcançada nesse disco.

3. Cego Aderaldo - Egberto Gismonti. Aqui o ouvinte atento vai perceber a viola como elemento mágico transformador para o oriente virar Brasil.

4. Veien - Jan Garbarek. Quase oito minutos de pura poesia instrumental.

5. Equilibrista - Egberto Gismonti. Aqui o fantasma de Heitor Villa-Lobos parece materializar-se nas frases meio Boulanger de Gismonti ... depois tudo vira som e fluencia. Realmente ... jazz.

6. For Turiya - Charlie Haden. Consigo resumir essa faixa em uma palavra: ternura. 

Esse disco pode ser ouvido em várias plataformas de streaming. Vou sugerir o Youtube Music por ser a plataforma que uso no momento: https://music.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_kGNilqX1bnxFrkHtggV1j5jdK3XD9Fuvg&feature=share

Existe um artigo bem interessante na wikipedia que mostra esse como sendo um álbum de Charlie Haden. É curioso que aqui no Brasil sempre conheci esse disco como um disco de Egberto Gismonti com participação dos outros dois músicos. Mas acho que é um trabalho que pertence aos três de maneira igual.  https://en.wikipedia.org/wiki/Folk_Songs_(Charlie_Haden_album)

Eu não possuo ainda esse disco em mídia física (CD e/ou vinil), mas acho que seria a melhor maneira de ouvir. Ainda mais pela questão do encarte. Para os colecionadores que desejarem ir em busca desse valioso artefato vou deixar o link do master-release do Discogs: https://www.discogs.com/master/62095-Charlie-Haden-Jan-Garbarek-Egberto-Gismonti-Folk-Songs

Pra terminar o post vou deixar aqui um vídeo que publiquei a pouco tempo atrás em meu canal do Youtube. Aqui faço um improviso junto com o violoncelista Juan Ferreras, sobre o tema da última faixa do álbum Folk Songs. Esta é a pequena história da gravação desse vídeo: Recentemente o violoncelista argentino Juan Ferreras esteve aqui em Recife-PE para estrear o espetáculo Nunes, junto com a multiartista pernambucana Maria Flor. Aproveitei a oportunidade para convidá-lo a fazer uma pequena sessão de improvisação musical aqui no meu estúdio. Esse vídeo é o registro desse momento. Agradeço muito a Juan por ter gentilmente aceitado o convite e também a Maria Flor por ter feito essa ponte.

Aqui está o vídeo:


Espero que tenham gostado. 

Grande abraço e bons estudos.

JPP


https://www.facebook.com/jppguitar

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https://soundcloud.com/jppessoa

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https://www.discogs.com/user/jpguitar

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:)

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sexta-feira, 12 de agosto de 2022

Por que ouvir Haydn? Quem foi esse compositor?

 Olá ...



O post de hoje vai ser não apenas sobre Haydn, mas também sobre a importância de usarmos bem os recursos de pesquisa disponíveis na internet. A idéia de falar um pouco sobre Haydn aqui no blog surgiu em uma aula que eu estava dando essa semana sobre o Estudo op. 60 nº1 de Matteo Carcassi. Eu estava explicando para meu aluno sobre a necessidade de ouvir muita música que se relacione com o estilo da obra que estamos estudando. Sempre falo esse tipo de coisa nas aulas: "(...) se você está estudando blues, precisa ouvir muito blues e tem que conhecer nomes como BB King, por exemplo. Se está estudando forró, precisa conhecer Luiz Gonzaga (...) da mesma maneira, se estamos estudando música clássica, temos que ouvir muito esse estilo". Isso é um fato. Mas é importante também levar em conta que quando se trata do "fazer musical" histórico, ou seja, da interpretação da música do passado, temos que considerar como criadores do que estamos ouvindo, não apenas o compositor, mas também o intérprete. 
Ao considerar a idéia de que precisamos estudar a música de Carcassi, é fundamental saber em que época ele viveu e quais foram suas principais influências. Durante minha aula, eu estava tentando trazer para meu aluno a compreensão da necessidade de contextualizar o que ele estava tocando, para tentarmos chegar ao entendimento de que fazer música vai muito além da leitura das notas e dos sinais da partitura. Citei então os três nomes que são os pilares da música do período clássico e que, com toda certeza, formam um conhecimento básico para interpretar ao violão a música de compositores como Sor, Carcassi, Aguado, Giuliani, Carulli, etc ... Os três pilares aos quais me refiro são Haydn, Mozart e Beethoven. Nesse momento da aula meu aluno explica pra mim: "poxa, professor, já ouvi falar de Mozart e Beethoven ... mas nunca soube da existencia de um compositor chamado Haydn". Essa então foi a fagulha que motivou a presente postagem. 
Acho que é super normal (e na verdade, revigorante), que durante a nossa jornada de aprendizado, apareçam nomes de compositores que nunca ouvimos falar, de culturas longínquas, intérpretes surpreendentes e novidades em geral. É preciso então, estarmos sempre abertos a esse novo conhecimento e dispostos a trilhar esse caminho que vai além de nossas escalas e arpejos ao violão. É preciso, portanto, ler textos e artigos, ouvir falas e palestras, pesquisar nos sites da internet e também nos livros ... mas principalmente, ouvir muita música (tanto gravações, quanto concertos ao vivo).
Vou então citar aqui nesta postagem alguns vídeos que encontrei no Youtube com falas muito relevantes sobre a vida de Haydn, álbuns que estão nos serviços de streaming de música com obras importantes do compositor sendo executadas por intérpretes consagrados, assim como links de sites com textos interessantes para um conhecimento básico sobre Haydn. Mas o que é fundamental nisso tudo? 
O mais importante mesmo é que você sinta que é possível você fazer o mesmo com qualquer nome de compositor e/ou intérprete que seja uma novidade para você. Resumindo em duas palavras: seja curioso.
Vamos começar então pelos links. Sempre (ou quase sempre) que for buscar sobre um novo compositor, um bom ponto de partida é observar se já existe algum artigo no site Wikipedia sobre o compositor em questão. No caso, Haydn é um gigante no mundo da música clássica ocidental e, portanto, estão com toda certeza presentes nessa plataforma, informações sobre sua vida e obra.

Note que este primeiro link foi para uma versão em português da Wikipedia. É muito comum que artigos postados na Wikipedia em diferentes idiomas, apresentem conteúdos diferentes. Frequentemente os artigos em inglês apresentam informações mais detalhadas. Se você consegue ler em inglês e/ou não se importa de usar um serviço como o google tradutor, por exemplo, vai poder acessar informações mais precisas e detalhadas visitando as páginas em inglês no Wikipedia. Para alguns assuntos específicos, as páginas em alemão são ainda melhores. Perceba a diferença ao comparar a versão em inglês do artigo da Wikipedia que fala sobre a vida e obra de Haydn, com a versão em português do link anterior:

Para este post aqui do blog vou deixar só os links da Wiki mesmo. Mas, quando for fazer sua pesquisa, tente ir além. Pesquise em sites de universidades, pdf´s de artigos acadêmicos, teses, sites de museus e instituições culturais e mais o que sua imaginação permitir. Investigue e não tenha pressa.

Próximo passo: vídeos do Youtube e /ou podcasts e coisas do gênero. 
Apesar de poder ver e ouvir grandes orquestras e intérpretes tocando no Youtube, eu acho preferível, pelo menos em um primeiro momento, buscarmos informações textuais e falas em vídeos didáticos e pedagógicos de canais especializados da plataforma. Vou começar dessa vez com um vídeo em inglês do canal Inside the Score. Infelizmente, esse vídeo não apresenta legendas em português. Mas recomendo bastante que haja um esforço no sentido de acessar o conhecimento e as informações contidas nele. Se forem citados nomes de orquestras e/ou intérpretes e maestros é importante que você guarde esse nomes. Se necessário anote em algum lugar. Tente guardar também o nome das obras citadas, para poder ouvi-las na íntegra em um momento posterior. Você verá que ele cita, entre outras obras,  no vídeo: o Credo da Missa Brevis em Fá maior, o Adagio do quarteto nº1, a Sinfonia "Surpresa", a Sinfonia "do Adeus" e a grande obra prima de Haydn, A Criação (The Creation) ... nesse momento ele cita o nome do regente Adam Fischer e a Orquestra Filarmônica da Hungria. Após assistir o vídeo você pode pesquisar e ouvir as obras citadas com os intérpretes citados em sua plataforma de streaming de música preferida. Acho que esse é o processo que você deve tentar seguir em suas pesquisas. Recomendo muito mesmo que você use vídeos como esse apenas como ponto de partida para investigações mais profundas. É bem importante você ter a noção clara de que, ver esse tipo de conteúdo não substitui ouvir música e/ou ler textos, e que a facilidade sedutora dos conteúdos bonitos do Youtube pode muitas vezes manter você apenas na superficie daquilo que você pretende atingir. De qualquer forma, acredito ser uma plataforma muito boa mesmo para pinçar referências. E recomendo bastante também o trabalho desenvolvido pelo canal Inside the Score.


  

Vamos agora a um segundo vídeo do Youtube qua fala sobre a vida e obra de Haydn. Dessa vez um vídeo em lingua portuguêsa, do canal do músico, professor e violonista Sidney Molina. Eu sou super fã do trabalho feito por Sidney Molina no Youtube e também com seu quarteto de violões, o Quaternaglia. Molina é doutor em música e tem trabalhos incríveis, como sua tese sobre a discografia de Julian Bream e/ou sua série de programas de rádio sobre o mesmo tema. Recomendo muito que você conheça o trabalho deste grande músico e pesquisador brasileiro. Mas agora, voltando a Haydn, perceba que neste vídeo, Molina é mais criterioso quando cita as obras e os respectivos intérpretes. Quando ele cita o segundo movimento da Sinfonia 92 "A Surpresa", por exemplo, ele coloca também o nome da orquestra (London Philarmonic) e do regente (Georg Solti). Você pode, e deve, aproveitar as informações e dicas contidas no vídeo do prefessor Molina, e em um momento posterior, buscar as obras e intérpretes em um servico de streaming de música, e escutá-las na integra.


E, por fim, o terceiro, último, e mais importante passo no nosso pequeno exercício de investigação em cima da obra de um determinado compositor: a pesquisa das obras para ouvir. Como citei anteriormente, acho pertinente conhecer as obras através de gravações, álbuns (somente áudio). Não que eu não goste de assistir vídeos de boas orquestras e intérpretes no Youtube. Mas a escuta em plataformas de streaming de música me parece proporcionar mais a concentração desejada para o estudante mergulhar no mundo sonoro. A explicação das razões por essa minha preferência ocupariam um espaço longo demais nessa postagem, portanto, me contento com essa singela explicação: é melhor assim. 

Vou citar portanto, alguns álbuns de minha preferência pessoal, que encontrei na plataforma de streaming que uso no momento que é o Youtube Music. Mas você com certeza encontra estas gravações em outras plataformas. Não vou linkar aqui os álbuns citados nos dois vídeos anteriores. Deixo este trabalho para o estudante ávido por conhecer mais. Perceba que foram citados nos vídeos obras de grande proporção de Haydn ... busque escutá-las. Mas na minha lista, vou indicar obras para pequenas formações e/ou instrumentos solistas. 

Vamos aos álbuns que recomendo:

1) Doric String Quartet - Haydn String Quartets (Wigmore Hall Live): começamos bem com essa super gravação dos quartetos opus 09, 50 e 76 de Haydn. É o registro de um recital ... gravado ao vivo mesmo nessa sala importantíssima em Londres. Traz a emoção de uma performance ao vivo e calor do palco para o som. Para nós violonistas, a escuta de bons quartetos de cordas tocando obras de mestres como Haydn é essencial para nutrir nossa imaginação musical. E o Doric String Quartet se mostra virtuosísticamente incrível neste álbum.

https://music.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_lgeJ_fGgcvMM6yQgi79ZFBrbgsrIfh-1U&feature=share 

2) András Schiff - Haydn Piano Sonatas: este é um pianista muito consagrado que você deve conhecer. Suas gravações são muito bem feitas e seu perfeccionismo nos leva a um outro nível de escuta. As sonatas para piano são uma parte bem importante da obra de Haydn e nos aproxima dos desafios que temos ao interpretar música vistuosística do período clássico no violão. Neste álbum você ouvirá as sonatas 32, 33, 53, 54 e 58.

https://music.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_n42UmJNFquH2j92b6AD5UgEJnJnDyRrCM&feature=share 

3) Paul Galbraith - Paul Galbraith plays Haydn: para os desavisados a resposta é Não! Haydn não escreveu para violão. O que ouvimos nesse álbum incrível do violonista escocês Paul Galbraith, são as suas transcrições para seu violão de oito cordas (que ele chama de Brahms Guitar) das sonatas de Haydn para piano nº 11, 31, 32 e 57. Considero Galbraith como um mestre espiritual, guru e/ou uma espécie de mentor musical imaginário ... Tive a honra de ser aluno de Paul Galbraith em uma masterclass e isso com certeza me impactou muito mesmo. Na época até escrevi uma postagem aqui no blog sobre esta experiência. Sou super fã de suas gravações, principalmente do álbum que tem as sonatas e partitas de J. S. Bach. Neste disco listado aqui, tocando Haydn, Galbraith nos fala, através de suas interpretações, de como não há limites para a vontade e para a imaginação do artista, de explorar os oceanos de outros mundos com o seu instrumento musical. Recomendo muito ouvir repetidas vezes!

https://music.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_nODM5Ubmzg5M8-b6_m_mXYky3_hqxtzns&feature=share

Espero ter ajudado.

Grande abraço e bons estudos.

[]

:)

JPP

quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Eficiência na prática do instrumento musical: reflexão constante.

 Olá ...

Esta será uma postagem rápida pra deixar registrado aqui no nosso blog esse pequeno vídeo do canal Ted-Ed que fala sobre a eficiência no treino de uma atividade de performance, como é a prática de um instrumento musical. Várias dicas sobre o assunto podem ser encontradas em postagens aqui do nosso blog e em livros que já comentamos aqui, como esse Manual Prático do autor cubano Ricardo Iznaola:

https://thetaooftheguitar.blogspot.com/2010/01/indicacao-de-leitura-ricardo-iznaola-on.html

O video do Ted-ED vai trazer mais informações científicas para nossa reflexão, sempre com ajuda de animaçôes e de uma maneira leve e descontraída. Achei o conteúdo realmente interessante, didático e pertinente, mas uma coisa me chamou atenção: a constante comparação entre a prática dos instrumentos musicais e as atividades esportivas. Claro que a analogia é interessante e muitas vezes verdadeira. Quando se trata de repetições, temos mesmo isso em comum com muitas práticas esportivas. Mas acredito que a complexidade no estudo da música vai além disso. Existem componentes intelectuais e afetivos que se fundem ao movimento de maneira bastante intrincada. É bem difícil mesmo de analisar isso. Um livro que se aprofunda bem no tema é Alucinações Musicais, de Oliver Sacks. Vale a pena conferir:

https://books.google.com.br/books/about/Alucina%C3%A7%C3%B5es_musicais.html?id=LAaCCgAAQBAJ&source=kp_book_description&redir_esc=y


Mas, voltando ao vídeo do Ted-Ed, as dicas que são mostradas são realmente muito boas e vale muito a pena seguir. Confiram:




É isso aí ... vamos usar nossas repetições com consciência, eliminar as distrações, usar a prática mental da visualização e tentar melhorar sempre a eficiência de nossa prática. Acredito que não exista fórmula mágica e que esse é um assunto que precisa ter espaço definitivo garantido em nossa pauta sobre coisas pra refletir. Se estudamos música através de um instrumento musical, temos que refletir constantemente sobre a eficiência de nossa prática.

Grande abraço musical e bons estudos.

JPP

:)

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segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Comparando "Scarlattis": a escuta musical de diferentes meios para a obra do mesmo compositor.

 Olá ...



Mais um pequeno exercício de escuta musical comparativa. Na postagem de hoje a proposta é ouvir três álbuns de diferentes instrumentos abordando a obra do mesmo compositor. No caso, a música escrita originalmente para cravo, do compositor barroco Domenico Scarlatti (1685-1757), sendo executada em três meios diferentes: o violão, o piano e o cravo. 

A importancia deste compositor dentro da tradição dos instrumentos harmônicos na música clássica ocidental é imensurável, e seu grande testamento são suas 555 Sonatas escritas diretamente para o cravo. Não estamos falando da sonata com vários movimentos do período clássico, ou da forma sonata que se desenvolve no séc. XVIII. As Sonatas de Scarlatti são, em sua maioria, movimentos únicos escritos em forma binária. Apenas algumas dessas obras não foram dedicadas ao cravo. Um pequeno grupo de 4 Sonatas é dedicado ao orgão, enquanto outras 5 delas são dedicadas a uma pequena formação instrumental (Sonatas para solista e continuo, essas sim são escritas com vários movimentos). Sendo assim, as 555 Sonatas de Domenico Scarlatti formam um dos mais importantes compêndios de obras escritas para o cravo no período barroco. Mais tarde estas obras serão incorporadas ao repertório do piano moderno.

É dificil afirmar com precisão quando, e como, essas obras começaram a ser incorporadas também ao repertório do violão. É provável que as primeiras transcrições tenham aparecido na primeira metade do séc. XX, através de nomes como Emilio Pujol e/ou Andres Segóvia. Recomendo bastante a leitura deste tópico em um conhecido forum de violão:

https://violao.org/topic/24676-falando-sobre-repertorio-28-domenico-scarlatti/

Vamos agora aos álbuns que proponho que sejam ouvidos como uma saudável maneira de apreciar e comparar a música de Scarlatti em diferentes meios. Os três álbuns que vou sugerir aqui podem ser encontrados (na data desta postagem) em plataformas de streaming. Vou deixar como sugestão links para o Youtube Music, por ser a plataforma que uso atualmente. Mas é totalmente possível encontrar os mesmos álbuns em outras plataformas ou mesmo ouvi-los através de uma midia física como o CD, por exemplo. 

O primeiro álbum é do cravista Trevor Pinnock

https://music.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_mE6Y6KblywNzE-LuxzNAs7IZxUK3zGuUY&feature=share 

Na verdade, esse é um LP do cravista Trevor Pinnock gravado na igreja de St Margaret, na Inglaterra, em 1981, relançado em CD em 1995, e publicado em plataformas digitais em 2007. Aqui ouvimos uma interpretação bastante ligada ao movimento de música antiga dos anos 70. As frases são muito bem cuidadas e a articulação impecável. Importante observar como a ornamentação funciona com perfeita organicidade no cravo. O ouvinte que está começando na escuta de instrumentos de época pode estranhar o som um pouco mais pontiagudo do cravo. Já conversei com muitos pianistas que dizem odiar o som do cravo. Acho que é uma questão de ter a imaginação aberta para a história também ... eu acho fascinante pensar no som dos instrumentos de época como uma máquina do tempo para a imaginação. Mas, além disso, realmente gosto desse som mais afiado do cravo. Acho perfeito para a música que foi feita pra ele. As polifonias soam com clareza, as ornamentações não parecem exageradas ou difíceis, enfim, tudo parece adequado. Nesse álbum, Trevor Pinnock consegue nos transportar realmente não apenas para a época barroca, mas, mais do que isso, para o âmago das experimentações harmônicas de Domenico Scarlatti em suas Sonatas.

Vamos para o nosso segundo álbum, entrando agora na sonoridade escura, grave, aveludada e profunda do piano moderno. O álbum que proponho aqui é um CD duplo do pianista russo Mikhail Pletnev. Eu tenho a alegria de possuir este CD aqui em mídia física, e posso dizer que soa muito melhor do que no streaming, pelo menos aqui no meu equipamento e na data em que estou escrevendo esse texto. Mas este trabalho pode ser facilmente encontrado também nas plataformas digitais. No Youtube Music ele foi publicado em 2 volumes separados, por isso vou colocar os dois links aqui:

https://music.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_lEXOM53ZAlVPiZuVmf731UVuu5SjlSrgQ&feature=share 

https://music.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_lONTv0qw1XGjlG5mKFtAp5i1DDwRC_V_0&feature=share 

De acordo com as informações no encarte do CD de Pletnev, essa gravação foi feita em outubro de 1994, nos estúdios Abbey Road, em Londres, em um piano Steinway. Mikhail Pletnev é um virtuose da moderna escola russa do piano. Por isso, a gente sente um pouco mais de romantismo pianístico em sua interpretação de Scarlatti. Mas, por favor, não me entenda mal. As interpretações de Pletnev neste CD são incrivelmente bem informadas do ponto de vista histórico, tanto no que concerne à ornamentação, quanto às articulações. Os desafios técnicos são vencidos com facilidade e a música flui como água. Recomendo uma boa pausa e um café antes de sair do cravo para o piano moderno. A mudança é realmente drástica. Um outro conselho para os ouvintes mais iniciantes: tentem ouvir comparativamente, mas sem julgar qual o seu preferido. Para crescer musicalmente, a escuta atenta e analítica de timbres de instrumentos diferentes é muito importante, mas, além disso, precisamos ter a noção de que os julgamentos definitivos relacionados ao nosso "gostar" musical, podem muitas vezes nos confundir bastante.

Finalmente, chegamos ao nosso terceiro álbum Scarlattiano do dia. Agora vamos experimentar ouvir Domenico Scarlatti soando na madeira na qual habitamos, que é a caixa acústica e misteriosa do violão. O álbum que sugiro é um CD do violonista brasileiro Fabio Zanon, totalmente dedicado a apresentar as transcrições do próprio violonista para algumas das Sonatas do compositor italiano que é objeto da nossa postagem. E, como dá para ver na foto no inicio do post, também possuo este CD em mídia física, meio que sempre é preferível para mim. De qualquer forma, encontrei este álbum no Youtube Music também:

https://music.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_mneDruQalsDrhw9ru0rxT9MgeMCd97em0&feature=share 

Aqui, principalmente o ouvinte violonista mais iniciante, precisa ter uma noção da arte da transcrição. Mesmo entre os músicos mais cultos, essa palavra pode ter diferentes significados. É importante entender que nos referimos a "transcrição" como uma tradução da linguagem de um instrumento para outro, nesse caso, do cravo para o violão. Se você é iniciante na música e no violão, sugiro ler um pouco sobre o assunto. O violão tem atualmente um repertório próprio muito vasto e rico. Mas, muito do que precisamos estudar para adquirir domínio de linguagem em nosso instrumento, inclui transcrições. Sendo assim, é fundamental entender o assunto começando pela terminologia. Se puder, leia os dois pequenos textos na Wikipedia, versão inglês e português. Eles não são iguais.

https://en.wikipedia.org/wiki/Transcription_(music) 

https://pt.wikipedia.org/wiki/Transcri%C3%A7%C3%A3o_(m%C3%BAsica) 

Voltando ao álbum de Fabio Zanon, apreciaremos aqui não somente a maestria do violonista, mas também a genialidade das transcrições. As ornamentações em cordas duplas e/ou com ligados de mão esquerda surgem sem esforço, as linhas melódicas são apresentadas com clareza, os rudimentos polifônicos aparecem cristalinos e a sonoridade cravística é sugerida sem paródias e com muita elegância. Em certos momentos, como na seção central da Sonata K.394, por exemplo, o violão parece despejar uma verdadeira cascata de notas, mas sem parecer forçado ou espremido. Pelo contrário, a fluência é uma forte característica nas interpretações apresentadas no álbum. Por conta da própria natureza do violão, não tenho a sensação meio líquida das interpretações pianísticas, deixando assim o violão como meio termo sonoro entre o cravo e o piano. Mas, claro, isso é apenas um ponto de vista. 

Espero que tenha sido útil a experiência de comparar esse três álbuns. Precisamos muito lembrar que nosso melhoramento constante como músicos está totalmente atrelado ao nosso desenvolvimento como ouvintes e apreciadores de música. O melômano não surge pronto, ele constrói a si mesmo com a prática constante da escuta.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Melomania 


Revisão de texto e "tremenda força": Maria Flor ❤


Grande abraço musical e bons estudos.

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:)

JPP


sábado, 30 de julho de 2022

Duo Pessoa da Silva no FIG 2022 /Virtuosi na Serra - matéria jornalística da TV Pernambuco

 Olá ...

Estamos na mídia televisiva também ... as vezes. 

Muito bom levar a formação bandolim/violão aos palcos da música clássica ou música erudita. Somos o primeiro duo com essa formação instrumental, a se apresentar no Virtuosi, que é sem dúvida um dos grandes festivais de música classica do Brasil.  Sinto sinceramente bastante orgulho do nosso trabalho com o Duo Pessoa da Silva, e muita alegria e gratidão por ter tido oportunidade de apresentar nosso trabalho em um evento tão bonito e importante como o Virtuosi na Serra, que é o grande palco da música erudita dentro do Festival de Inverno de Garanhuns. 

Em uma palavra: Feliz!

:)



 

Vamos em frente.

Grande abraço musical e bons estudos.


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:)

JPP

terça-feira, 26 de julho de 2022

Ex-alunos ... atuais colegas de profissão. Muito legal ver a vida passando.

 Olá ...

Mais um post.

Esse vai ser uma lembrança boa que quero deixar aqui no blog ... podia postar no dia dos professores ou coisa parecida, mas, para nós todo dia é dia da música. Bora lá.

Uma das coisas mais legais de ser músico e professor é ver a história acontecendo ao longo de sua vida. Sou professor efetivo de violão erudito no Conservatório Pernambucano de Música (CPM) desde o ano de 2010, e muita coisa (mas muita mesmo) aconteceu na minha vida e na vida de pessoas que estudaram comigo de lá pra cá. Muita água correu por baixo da ponte. 

No post de hoje quero compratilhar os nomes de alguns violonistas que estudaram sob minha orientação no Conservatório Pernambucano de Música. Minha intenção é apenas de compartilhar histórias e trajetórias, além de divulgar e deixar registrado um pouco do meu trabalho como professor e/ou orientador, além de humildemente promover o trabalho das pessoas citadas nesse texto. 

"Nada é permanente, exceto a mudança" ( Heráclito )


Rafael Carneiro.

Não só foi meu aluno, como também brother no surf. Lembro bem da gente surfando lá no Nordestão (point de surf aqui da minha região) e conversando sobre música e violão entre uma onda e outra. Nas aulas no Conservatório, sempre foi um aluno extremamente aplicado e disciplinado, apresentando um desenvolvimento musical muito cheio de personalidade e rigor. Rafael se formou no curso técnico de violão erudito no CPM, sob minha orientação, tocando um programa incrível que incluiu a Fantasia 7 de Dowland, La Catedral de Barrios e obras de Sor. Atualmente desenvolve um excelente trabalho musical no youtube, postando sempre vídeos ligados à pedagogia do violão com ênfase em autores do período clássico como Sor e Carcassi. Vale a pena ficar de olho no canal dele:


Ícaro Rocha.

Outro cara muito gente fina ... as aulas com Ícaro eram diversão certa, com muito bom humor e risadas mas ,também com muita seriedade e engajamento musical. Também se formou, sob minha orientação, no curso técnico de violão erudito no Conservatório Pernambucano de Música. No seu recital de formatura o programa foi igualmente denso, com obras de alta demanda técnica como a Grande Abertura de Giuliani e os 5 Preludios de Heitor Villa-Lobos. Atualmente, Ícaro é formado em Licenciatura em Música, está cursando uma pós-graduação em musicoterapia, e desenvolve um importante trabalho como músico e professor de violão. 



Andrea Alencar. 

Foi minha aluna durante um ano no curso preparatório no Conservatório Pernambucano de Música e já foi direto pra UFPE fazer o Bacharelado depois. Andrea foi a primeira mulher a se formar no Bacharelado em Música/Instrumento:violão na UFPE, onde ela estudou sob a orientação do prof. Mauro Maibrada (que também foi meu orientador quando estudei lá, mas vou falar mais disso depois). Atualmente, Andrea é musicista, pesquisadora e professora de violão e teoria musical em Goiania.


 

Gabriel Asafe.

Aluno de um período bem mais recente no Curso Técnico em Violão Erudito no Conservatório Pernambucano, Gabriel se formou, sob minha orientação, agora no ano de 2022. O recital de formatura dele foi realmente incrível, com obras como o Preludio, Fuga e Allegro BWV 998 de J. S. Bach, La Catedral de Barrios, além de obras de Villa-Lobos, Piazzolla e Walton. Recentemente, Gabriel foi também aprovado no vestibular para o curso de Licenciatura em Música na UFPE. Já terminou uma fase iniciando outra. Nas aulas do curso técnico em violão erudito do CPM, sempre mostrou muita garra, se aplicando com bastante disciplina e afinco para vencer os desafios musicais impostos pelo repertório a ser desbravado. Gabriel, atualmente,continua sua estrada de estudos no violão e na música, mas agora também como professor ministrando aulas particulares.


Gostaria de deixar aqui registrado também os nomes de alguns dos meus atuais alunos do curso técnico em violão erudito lá do CPM: Gabriel Carneiro, Luiz Paulo Santos, Antony Rafael e Gabriel Amaral ... os três primeiros, inclusive já são alunos do curso de Licenciatura em Música da UFPE e praticamente colegas de profissão. Esses quatro alunos estarão em breve fazendo seus recitais de formatura.

Para finalizar a postagem com chave de ouro, quero deixar aqui registrada minha eterna gratidão ao meu mestre na música e no violão, o professor Mauro Maibrada. Fica aqui meu comprometimento de futuramente fazer aqui no blog mesmo, um relato mais detalhado do período da minha vida em que estudei sob a orientação do professor Maibrada no curso superior de música da Universidade Federal de Pernambuco. Foram anos de muitos aprendizados, construções e aventuras musicais que merecem um registro especial aqui no blog. Aliás, o surgimento do TheTaooftheGuitar tem tudo a ver com esse período da minha vida. Fica então a promessa de uma postagem sobre isso num futuro próximo.

Tenho muita sorte de ter tido contato com todas as pessoas citadas nesse texto (e com tantas outras que não citei, colegas de curso, de trabalho e de profissão, além de outros professores a quem devo muito e que respeito profundamente). Desejo a vocês tudo de bom sempre.


Grande abraço musical e fraterno.

Bons estudos.

:)

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JPP

O que é um Masterclass no universo da música clássica?


Recentemente fiz um video no youtube para compartilhar o registro de um masterclass com o violonista Manuel Barrueco, onde participei como aluno em 2011 na cidade de São Paulo-SP, Brasil, durante a programação do Festival Leo Brouwer. 

Este é um tipo de evento muito importante na formação dos estudantes e no universo da música clássica ou música erudita. Na época em que fui selecionado para ser aluno no Masterclass com Manuel Barrueco, foi bastante importante pra mim e significou um reconhecimento também ao meu trabalho, pois fui selecionado entre estudantes de toda a América Latina. Fiz, inclusive, menção a isso com uma postagem aqui no blog:

https://thetaooftheguitar.blogspot.com/2011/12/noticia-da-ascom-ufpe_13.html


Como professor, hoje em dia, percebo que muitas vezes os alunos não conhecem esse formato de aula ou esse tipo de evento. No vídeo que fiz tentei explicar um pouco sobre a importancia desse tipo de evento na nossa formação e também mostrar uma provável origem desse formato de aula.

Minha intenção ao compartilhar esse registro é incentivar meus alunos, e outros estudantes, a participar sempre que possível desse tipo de evento, entendendo sua relevância de maneira mais ampla, possibilitando assim um maior aproveitamento desse tipo de oportunidade de crescimento pessoal e musical.

Espero que seja útil.



Grande abraço musical e
bons estudos!
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JPP



quinta-feira, 21 de julho de 2022

Partimento!

 Olá ... 

A postagem de hoje é sobre "Partimento". Conhece o termo? Eu não conhecia ...

Vamos do começo.

https://en.wikipedia.org/wiki/Partimento

"A Partimento (do italiano: partimento, plural partimenti) é um esboço (frequentemente uma linha de baixo), escrito em uma única pauta, cujo objetivo principal é ser um guia para a improvisação ("realização") de uma composição no teclado*. Um Partimento difere de um acompanhamento de baixo contínuo por ser a base para uma composição completa. Partimenti foram fundamentais para a formação de músicos europeus desde o final de 1600 até o início de 1800. Eles foram desenvolvidos nos conservatórios italianos, especialmente nos conservatórios de música de Nápoles, e mais tarde no Conservatório de Paris, que emulava os conservatórios napolitanos." (Wikipedia)

*(obs: um violão é perfeitamente capaz de ser ferramenta para tal realização)

Recomendo bastante que assistam o video do Early Music Sources sobre partimento pra entender do que estamos falando aqui:





outro link importante: https://partimenti.org/

Então, se você clicou nos links e viu o video do Elam Roten, já deu pra entender um pouquinho do que estamos falando aqui: improvisação e/ou esquemas de composição improvisada na música clássica ou música erudita. Não apenas um acompanhamento improvisado, como no baixo continuo do barroco, mas um tipo de composição improvisada em cima de uma determinada ideia de harmonia. 
Pensando um pouco sobre essa prática e sua importancia histórica, é pouco provável que não tenha sido parte integrante da formação dos mestres da 1ª época de ouro da guitarra classico-romantica como Sor ou Giuliani. Pesquisando um pouco mais sobre isso no youtube me deparei com o trabalho do italiano Nicola Pignatiello. Uma entrevista bastante interessante sobre o tema pode ser vista aqui nesse video do canal Songbird Music Academy:


Outros canais com informações relevantes sobre o assunto:

Comparando essas idéias todas com o que encontramos em publicações como o opus 1 de Mauro Giuliliani ou o opus 59 de Carcassi vemos total pertinencia. É como encontrar uma pecinha que estava faltando do quebra-cabeças. O opus 44 de Sor, por exemplo, se encaixa perfeitamente na descrição de composição construída a partir da lógica desenvolvida pelo estudo da prática do partimento. Exemplos semelhantes podem ser encontrados no opus 60 de Sor ou mesmo nos famosos Estudos Progressivos do  opus 60 de Carcassi. 
E se você está terminando a leitura deste post com muitas indagações, saiba que a idéia é extatamente essa. O estudo da música e dos instrumentos musicais deve ser sempre um processo investigativo que vai muito além do trabalho de ler bolinhas pretas em um papel branco. É preciso se deleitar com o mergulho no processo histórico como ferramenta da construção musical. Para finalizar, deixo aqui minha humilde interpretação de três peças em mi menor do opus 44 de Fernando Sor, que foram provavelmente construídas a partir de esquemas de partimento.



Grande abraço musical e fraterno.
Bons estudos.
JPP

sexta-feira, 24 de junho de 2022

Exercício de escuta musical: O Relax Requiem op. 100 de Ernst Widmer, a Cantata Bwv 60 de J. S. Bach e o Concerto para violino de Alban Berg / Music listening exercise: The Relax Requiem op. 100 by Ernst Widmer, the Cantata Bwv 60 by J. S. Bach and the Violin Concerto by Alban Berg.

 Olá ... de volta ao blog com mais uma postagem.

Resolvi recentemente fazer um vídeo no youtube para compartilhar com alunos e amigos um trecho de um disco de vinil da minha coleção. Como esse é um fonograma um pouco raro, achei pertinente e interessante compartilhar pelo menos um trecho. O álbum em questão é esse:



https://www.discogs.com/release/13371224-Ernst-Widmer-Alfredo-Esteban-Rey-Hans-J%C3%BCrgen-Ludwig-Conjunto-M%C3%BAsica-Nova-UFBA-10-Anos-1973-1983

E o trecho que decidi compartilhar no youtube foi o lado A do LP, que contem a obra "Relax Requiem" opus 100 do compositor suiço/brasileiro Ernst Widmer. Até aí tudo bem ... eu já tinha ouvido algumas vezes a obra e sempre a considerei uma peça interessante e intrigante. Mas, ao estudar um pouquinho mais profundamente algo interessante, começamos a desenrolar um maravilhoso novelo de linha que nos leva a uma incrível aventura intelectual. Quando comecei a desenrolar a linha e entender o caminho da obra, lembrei muito mesmo das conversas em sala de aula com meus alunos. Sempre digo em sala de aula que "para ser um músico virtuoso, precisa ser antes de tudo um ouvinte virtuoso de música e isso requer prática". Pois bem, como todo professor bem sabe, é preciso ser aluno antes de tudo para ser professor ... é preciso ser aluno pra vida toda e ter sempre a "mente de principiante". O que aconteceu ao pesquisar um pouco sobre o compositor do Relax Requiem op. 100, foi que me deparei com um compositor incrivel que não conhecia. Ernst Widmer tem um catálogo incrível de obras escritas para vários instrumentos (inclusive o violão), e sua obra Relax Requiem op. 100 tem conexão direta com a Cantata Bwv 60 e uma provável ligação de afetividade intelectual com o Concerto para Violino de Alban Berg. Eu também não conhecia essas duas obras e fiquei numa felicidade incrível ao descobrir essas conexões e vislumbrar um imenso campo para estudo, que amplia minhas possibilidades de evolução como ouvinte de música. 

Então vamos por partes. Primeiro vou deixar aqui algumas breves informações biográficas sobre Ernst Widmer e alguns links, e depois vou discorrer rapidamente sobre as três obras em questão e também deixar algumas ligações pra ajudar quem quiser se aprofundar um pouco mais.

"Ernst Widmer (1927-1990) foi um compositor, regente, pianista, professor e pedagogo musical suíço-brasileiro. Natural da Suíça, veio para o Brasil em 1956 a convite de Hans-Joachim Koellreutter. Instalou-se em Salvador, onde atuou como professor na Escola de Música da UFBA. No ano de 1960 naturalizou-se brasileiro. Entre seus alunos destacam-se Lindembergue Cardoso, Jamary Oliveira e Paulo Costa Lima. Sua obra contempla traços do folclore musical baiano e abrange vários gêneros musicais. Sua produção artística chega ao opus 173 e abrange vários gêneros musicais (peças didáticas, religiosas, de concerto, ópera, balé, música para cinema e teatro) e enorme variedade de formações vocais e instrumentais. Foi membro da Academia Brasileira de Música, tendo ocupado a cadeira 31. Por desejo do compositor, a Ernst Widmer Gesellschaft, de Aarau (na Suiça), mantém seus manuscritos autógrafos e detém seus direitos autorais." (Wikipedia)

Na wikipedia não diz isso, mas o grande artista brasileiro Tom Zé foi aluno de Widmer e de Koellreutter também. Essa informação está na pagina oficial de Tom Zé: https://tomze.com.br/

Ernst Widmer Gesellschaft, uma fundação criada para difundir e proteger sua obra, publicou em alemão um catálogo com suas obras: http://www.ernstwidmer.ch/

A compositora e musicóloga Ilza Nogueira publicou esse catálogo, através da UFBA, em português e inglês:

Ao consultar o catálogo percebemos a existência de 4 obras para violão solo.

1- Serenada, op. 113

2- Tiradentes, op. 119

3- Cinco peças para violão op. 174

4- Variedade (sic.) Variações progressivas sobre "Bão-balalão" - sem nº de opus


Encontrei gravações apenas das duas primeiras obras para violão de Widmer, executadas pelo violonista brasileiro Eric Moreira. Pelo que li até o momento, são as únicas gravações das obras para violão deste compositor. Aqui está o vídeo da Serenada op. 113 de Widmer tocada por Eric Moreira:




Voltando agora ao Relax Requiem op.100 de Ernst Widmer. Não tive ainda acesso à partitura dessa obra. Conheço ela apenas através do fonograma que possuo, e não sei de outra gravação dessa peça. Isto posto, vamos ao que pude entender. 
O LP tem outras duas obras de outros compositores além do Requiem de Widmer ... todas as obras que estão no disco foram submetidas por seus compositores em concursos de composição e receberam premiações. O opus 100 de Widmer, por exemplo, recebeu o 1º premio no "Concurso Latino-Americano" de 1978. Aqui está um pequeno trecho do texto presente no encarte do LP: 

"As três obras foram gravadas ao vivo. Compostas para os Concursos Latino-Americanos de 1978 e 1979, respectivamente, elas têm em comum o envolvimento com material preexistente. Assim, RELAX-REQUIEM origina-se no Choral da Cantata nº 60 de J.S.Bach, TRUNCA DINÂMICA nasce de um módulo rítmico extraído da chacarera, música popular argentina e, em ASFALTANDO O NORDESTE emergem e submergem melodias características nordestinas. Todavia não se trata de paródias."

Os compositores das outras duas obras presentes no LP são: Hans-Jürgen Ludwig e Alfredo Esteban Rey.


"Relax Requiem op.100

Requiem em forma de variações sobre um Choral de J S Bach

1º Requiem

2º Dies Irae

3º Memória

4º Lacrimosa

5º Lux Aeterna

Obteve o 1º premio no Concurso Latino Americano (de composição) de 1978.

Instrumentação: flauta, clarinete, fagote, trompa, trompete, piano, percussão e cordas friccionadas.

Baseia-se no Choral da Cantata BWV 60 de J S Bach."



Portanto, o Relax Requiem está explicitamente ligado com a Cantata Bwv 60 de J. S. Bach. Mais especificamente com o 5º e último movimento desta Cantata, o Choral. Esta é uma obra não muito extensa de J. S. Bach. A cantata inteira tem por volta de 15 a 17 min. dependendo da interpretação. E o último movimento, o Choral, tem menos de um minuto e meio de duração. 

A gravação que usei como principal referência para minha escuta nesse exercício foi a de Harnoncourt:

https://music.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_kIYbrZyhQGqIe1gnMpP5MLDlEdBIq6yOg&feature=share


Ouvir a cantata e seu Choral repetidas vezes me levou a duas questões: 
1) por que essa Cantata?  Ou mais especificamente, por que esse Choral? O que esse um minuto e meio tem de especial para Widmer? Claro, Bach é sempre incrível ... mas deve ter algo aí pra essa escolha tão específica; e 2) por que um Requiem? Por que Relax? 

Ao começar uma pequena investigação do Choral da Cantata de Bach apareceu a pista que nos leva a nossa terceira obra em questão nesse exercício. Mas vamos concluir essa parte do texto com mais algumas informações sobre a Cantata Bwv 60 de J. S.  Bach.

Esta obra conta com 5 movimentos, assim como o Requiem de Widmer. O titulo da cantata é "O Ewigkeit, du Donnerwort" (Ó Eternidade, você palavra de Trovão) e o Choral, que é o 5ºmov da cantata (com apenas 1:20 min), tem o título de "Es ist genug" ( "Basta").

https://en.wikipedia.org/wiki/O_Ewigkeit,_du_Donnerwort,_BWV_60


Neste link está um video bastante interessante com uma aula sobre a Cantata Bwv 60 de J. S. Bach.
(Em alemão com legendas em inglês): https://youtu.be/i6GqgOqtjQw

(...) "O coral de encerramento é "Es ist genug" (Basta). (O musicólogo) Dürr observa que a melodia é de Johann Rudolph Ahle, um predecessor de Bach como organista em Mühlhausen. A melodia começa com uma sequencia incomum de quatro notas progredindo por intervalos de segundas maiores (tons inteiros), juntos abrangendo o intervalo de um trítono, também chamado de "diabolus in musica". Durante o tempo de Ahle, (o trítono) era uma figura musical extrema, adequada para representar a passagem da alma da vida para a morte. (...) Alban Berg usou o cenário coral (sic.) de Bach em seu Concerto para Violino." (wikipedia)


Quando li essa última frase foi onde pensei: "opa! Eu conheço esse concerto? É uma obra bem famosa entre os violinistas ... acho que já ouvi. Será?" ... Não conhecia mesmo!

O motivo de quatro notas utilizado por Widmer, Bach e Berg são as notas fá, sol, lá e si natural. Formando, de fá até si, o intervalo de quinta diminuta ou quarta aumentada também conhecido no mundo da música antiga como "Diabolus in musica" (Trítono, três tons) ... O fato de esse intervalo musical ter uma ligação com "uma figura musical extrema, adequada para representar a passagem da alma da vida para a morte" poderia, por si só, justificar o título e a estrutura do Requiem Relax op 100 de Widmer. Mas e quanto a Berg? Não seria ele o guia que teria conduzido Widmer até Bach e especificamente até esse Choral? Será que o concerto tem algo de Requiem também? Por que Berg precisava de uma figura musical que simbolizasse a morte em seu concerto? Essas perguntas me levaram a baixar uma partitura do Concerto para Violino de Alban Berg no imslp ,e a procurar também uma boa gravação dessa obra. Eu não podia simplesmente abandonar o exercício na metade.

https://imslp.hk/files/imglnks/euimg/7/7f/IMSLP612921-PMLP9697-Berg_Violin_Concerto.pdf


A gravação que utilizei foi com a violinista Anne-Sophie Mutter:

https://music.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_kyX4gpyZw1Z0qs9zrG2J1eUw64wY0vl_8&feature=share


Nesse momento do meu exercício fiquei maravilhado com a beleza e complexidade do Concerto de Berg. E percebi, obviamente, que vou ter que estudar muito essa música pra ter algum domínio da compreensão da obra como ouvinte. "Fascinante", eu pensei mais uma vez. Resolvi que era o momento em que eu precisava contextualizar cronologicamente, e biograficamente, o concerto de Berg. Vou deixar aqui algumas informações que são facilmente encontradas na internet:


"O Concerto para Violino de Alban Berg foi escrito em 1935 (a partitura é datada de 11 de agosto de 1935). É provavelmente a peça instrumental mais conhecida e executada de Berg, na qual o compositor procurou conciliar diatonicismo e dodecafonia. (...) A peça resultou de uma encomenda do violinista Louis Krasner. Quando recebeu a comissão pela primeira vez, Berg estava trabalhando em sua ópera Lulu e não começou a trabalhar no concerto por alguns meses. O evento que o estimulou a escrever foi a morte por poliomielite de Manon Gropius, de 18 anos, filha de Alma Mahler (viúva do compositor Gustav Mahler) e Walter Gropius (Arquiteto, famoso por estar ligado ao movimento Bauhaus). Berg colocou Lulu de lado para escrever o concerto, que dedicou "À memória de um anjo". (...) Berg trabalhou na peça muito rapidamente, completando-a em poucos meses; acredita-se que seu trabalho no concerto foi em grande parte responsável por sua falha em completar Lulu antes de sua morte em 24 de dezembro de 1935. O concerto para violino foi o último trabalho que Berg completou. Em uma carta a Krasner datada de 16 de julho de 1935, Berg confessou:

"Ontem terminei a composição [sem a orquestração] do nosso Concerto para Violino. Provavelmente estou mais surpreso com isso do que você... o trabalho me deu cada vez mais alegria. Espero – não, tenho a convicção confiante – de ter conseguido."(...)

Alban Berg faleceu também em 1935. (...) sua peça mais conhecida é seu Concerto para Violino, no qual, assim como na maior parte do seu trabalho, combina a técnica dodecafônica com as passagens harmônicas tradicionais da música europeia.

Berg fazia parte da elite cultural de Viena durante o início do século XX. No seu círculo de amigos encontram-se os músicos Alexander von Zemlinsky e Franz Schreker, o pintor Gustav Klimt, o escritor e sátiro Karl Kraus, o arquiteto Adolf Loos, e o poeta Peter Altenberg. (...).

Faleceu provavelmente devido a picada de um inseto e ao consequente envenenamento sanguíneo, aos 50 anos." (Wikipedia)

links:

E com isso concluí meu exercício de escuta musical ligando três obras de diferentes épocas e refletindo sobre como a figura musical do trítono, que inspirou Bach e ligou o Concerto de Berg à obra do mestre barroco, serviu também de material para um Requiem misterioso de um compositor tão próximo à mim (um brasileiro, pernambucano e recifense) e que eu desconhecia totalmente, mesmo tendo esse fonograma em minha coleção por tanto tempo. As três obras têm uma relação com a morte. Mas talvez a obra de Widmer seja também um Requiem para Alban Berg, construído através de J. S. Bach. Foi como passei a ouvir o Relax Requiem opus 100 de Ernst Widmer. Como é incrivel a transformação que a contextualização faz em nossa percepção. O passo seguinte seria analisar tudo e ouvir mais vezes para desenvolver uma compreensão mais técnica e profunda de todo o material envolvido no exercício. E depois voltar e fazer tudo de novo. O caminho é, portanto, o objetivo em si mesmo.

O motivo do desejo de compartilhar isso aqui no blog é exatamente esse desenrolar do novelo de conexões e o prazer da investigação e da descoberta. Tocar um instrumento musical, e estudá-lo seriamente é, antes de tudo, ser ouvinte de música. Se perguntarmos a qualquer virtuosi de qualquer estilo qual foi seu caminho para o domínio de sua arte, com toda certeza ouviremos as palavras "ouvir música" como parte da resposta. Precisamos ouvir, de diversas maneiras, diversos tipos de música e entender de uma vez por todas que a habilidade de ouvir música tem que ser, assim como a prática do instrumento musical, trabalhada e exercitada constantemente.


Agradecimentos especiais a Maria Flor pela revisão,
e a C. A. da Silva pelas dicas.

Grande abraço e bons estudos.

:)

João Paulo Pessoa.







sexta-feira, 17 de junho de 2022

Postura no violão clássico: algumas considerações. / Classical guitar posture: some considerations.


 


Olá ... de volta às postagens aqui no blog. Recentemente criei um video no youtube onde discorro um pouco sobre a questão da postura corporal e do posicionamento do instrumento musical em relação ao corpo do instrumentista na prática daquilo que costumamos chamar de "violão clássico" ou "violão erudito". Existem algumas pequenas coisas que gostaria de acrescentar ao que foi dito no video: 

1- Se você não tem um professor tudo fica bem mais dificil no que concerne aos pequenos (e aos grandes) ajustes necessários para o seu progresso. Acho que aprender um instrumento musical inserido dentro de uma tradição e de um contexto histórico sem o auxilio de um professor ou mesmo sem o ambiente musical de uma boa escola não é o melhor caminho a ser trilhado. Aulas presenciais tendem a ser mais eficientes também. 

2- A postura que funciona pra mim talvez não funcione pra você. Isso parece obvio ... mas não é. Existe um caminho bastante tentador na arte de ensinar que nos leva ao confortável pensamento de que o melhor é "passar" para o aluno aquilo que funcionou para nós, ou "ensinar da forma que aprendemos" ... mas, como diria o grande mestre Zen Shunryu Suzuki "nem sempre é assim". Por outro lado, na fundamental e humana arte de aprender, somos igualmente tentados a pensar que algo não funciona bem pra nós quando não nos saímos bem nas primeiras tentativas. O segredo está quase sempre no equilíbrio. Para o professor é importante estar apto e aberto a guiar o aluno por experimentações e caminhos que talvez ele mesmo não tenha trilhado ou experimentado em sua trajetória. Igualmente no papel de alunos, devemos ter o bom senso de entender que o tempo, a paciência e a persistencia são fundamentais em nossa jornada. Encontrar sua postura (e/ou posicionamento) ideal para a prática do seu instrumento musical é parte integral do próprio estudo e portanto um processo constante.

3- Somos todos humanos e em constante transformação. 


Aqui está o video:


Espero ter ajudado. 

Grande abraço e bons estudos.

João Paulo Pessoa.