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quinta-feira, 13 de outubro de 2005

Análise da “Sonatina para guitarra” de Frederico Moreno Torroba.


Frederico Moreno Torroba (1891-1982).


Saudações a todos. Estou publicando aqui uma análise que fiz desta peça do Torroba e alguns dados sobre este compositor. Espero que seja útil para quem estiver interessado em tocar esta importante peça do repertório do violão.
A partitura desta peça está disponível para venda na maioria dos grandes sites de venda de partituras da internet.
Obrigado e boa leitura.
João Paulo Pessoa.
Dados biográficos do compositor.

Frederico Moreno Torroba nasceu em Madrid, em 13 de março de 1891. Seu pai, José Moreno Ballesteros, de quem recebeu as primeiras lições de música, era organista, diretor de orquestra, compositor e professor do conservatório de Madri. Nesta instituição Frederico estuda com o professor Conrado del Campo. Suas primeiras obras são de caráter sinfônico, mas logo ele passa a interessar-se pelas “zarzuelas”, um gênero de teatro lírico espanhol de caráter popular e folclórico.
Torroba foi desde cedo um nacionalista, como muitos de sua geração. Foi pupilo de Felipe Pedrell, “pai” do nacionalismo Espanhol. Sua música de câmara foi negligenciada, com exceção das séries de boas obras para violão, dedicadas em sua maioria a Andrés Segovia. São obras importantes de Torroba para o repertório violonístico a Suíte Castellana (1926), o Nocturno (1927), a Bugalesa (1928), a suíte Piezas Características (1931), a Sonatina (1953), esta última sua obra mais popular e também mais importante. Devem ser citadas também Mandronos(1954), Aires de la Mancha(1966) e o concerto para violão e orquestra Homenaje a la Seguidilla, entre muitas outras obras importantes[1]. Vale lembrar que o movimento nacionalista espanhol estimulou bastante a composição dedicada ao violão, que é um instrumento típico.
Sua primeira obra estreada no Teatro de Madrid foi Las decididas, e sua primeira Zarzuela que alcançou popularidade foi La mesonera de Tordesillas, com libreto de Sepúlveda y Manzano, estreada em 1925 no mesmo teatro. Chegou a compor mais de oitenta obras líricas de caráter nacionalista. Escreveu peças como Manola, la del portillo, La Marcharena, de ambiente andaluz, estreadas em 1928, Cascabeles, Baturra de temple, El aguaducho, Azabache e a zarzuela de ambiente asturiano Xuanón. No entanto, a sua obra lírica mais famosa é Luisa Fernanda, estreada no Teatro Calderón em 26 de março de 1932, com libreto de Federico Romero e Guillermo Fernández Shaw.
Torroba foi membro da academia de Bellas Artes de Madrid (1935), presidente da ”Sociedad de Autores Españoles” (1975), empresário, diretor artístico, durante mais de vinte anos foi diretor dos teatros “Calderón” e de “la Zarzuela” de Madrid e da “Compañía Lírica Nacional”, além de destacado compositor de sua época.
Morreu em sua cidade natal em 12 de setembro de 1982[2].

Torroba e Segóvia.

Para explicar um pouco melhor a relação de Torroba com Segóvia segue um comentário feito pelo violonista brasileiro Fábio Zanon no terceiro programa de sua série de programas radialísticos “A arte do violão”, vinculada na rádio cultura FM. Este foi um programa inteiramente dedicado a Segóvia, mostrando gravações feitas entre 1927 e 1939.

“A estréia de Andrés Segovia em Paris em 1924 é um marco na carreira do andaluz e na história do violão. Até então o instrumento era visto como uma curiosidade fora dos círculos de aficionados e a carreira de Segovia ainda não se havia projetado fora da Espanha, com a exceção de ocasionais visitas à Argentina. Este recital contou com a presença de uma multidão de figuras importantes da cena musical parisiense e a surpreendente qualidade artística de Segovia transformou-o numa celebridade num golpe único. A partir desse momento, sua carreira internacional tomou corpo e sucessivas estréias na Inglaterra, Alemanha, Bélgica, URSS, EUA e Áustria e as primeiras gravações realizadas em 1927 começaram a projetar o seu nome como o de um pioneiro musical e de um artista de qualidade indiscutível. Foram os primeiros passos da criação do mito Segovia.
Este era o momento para ele aproveitar a súbita elevação de seu perfil público e fazer contatos com os compositores mais destacados de sua época para que escrevessem obras originais para violão, uma idéia que, na época, ainda era considerada estapafúrdia.
Depois da Homenaje de Falla de 1920, a obra geralmente aceita como a primeira escrita para Segovia é a Danza de 1923 (ou, segundo Segovia, de 1919), publicada como último movimento da Suíte Castellana de Moreno Torroba. Se escrever para Segovia praticamente se tornou uma moda depois que obras de vulto foram estreadas depois de 1925, seria necessário um dom profético para se supor que uma obra escrita para o violão, antes de 1924, para um artista ainda emergente, seria tempo bem empregado. Este crédito tem de ser dado a Moreno Torroba”[3].




Análise da “Sonatina para guitarra” de F. M. Torroba

I. Allegretto

Forma: Sonata.
Tonalidade: Lá maior (tônica).
Divisão rítmica: ¾.

Compassos 1 a 30 (31/32): exposição
· 1 a 16: primeiro tema.
· 17 a 28: segundo tema.
· 29 e 30: ponte I (retorno ao primeiro tema seguido pelo segudo).
· 31: substituição do compasso 1.
· 32: ponte II (passagem para o desenvolvimento).
Comentário: O motivo rítmico que pontuará todo o movimento é deixado bastante em evidencia desde o primeiro compasso. Chamemos este motivo de “fio condutor”.No compasso 1 ele aparece na voz superior, e no compasso 2 aparece como resposta no baixo. Esta resposta (com uma semínima no final) é o elo que dá coerência a este primeiro tema. Os dois primeiros compassos são uma afirmação bastante incisiva e conclusiva em si mesma. Os compassos 3 e 4 são o reflexo dos dois primeiros, mas de uma forma não-conclusiva, suspensa, para dar margem ao restante da argumentação, que por enquanto vai sendo construída de dois em dois compassos. No quinto e no sexto temos novamente uma resposta e a conclusão de uma frase; e nos dois seguintes uma pausa na movimentação rítmica da voz superior e uma valorização do motivo principal no baixo: uma ponte. É como se este último estivesse agora dizendo ao ouvinte: “Agora que você me conhece, veja o que eu tenho a dizer”. E segue um novo trecho de oito compassos. A coerência métrica de Torroba é impecável. Temos nestes dezesseis compassos iniciais: uma frase de 6 compassos, formada por 3 membros de 2 compassos cada, com uma ponte de 2 compassos, seguida por outra frase e outra ponte de igual tamanho, terminando na tônica. Esta mesma estrutura se repete de forma idêntica nos compassos 60 a 76.
No compasso 17 tem início o segundo tema desta primeira parte do Allegretto. Aparentemente, estamos agora no sexto grau (fá# menor). Continuamos com membros de 2 compassos, mas no compasso 21 temos um membro que dura até o primeiro tempo do compasso 23, e neste último tem início um que termina no compasso 25, chegando finalmente no quinto grau (Mi maior), que é o objetivo deste trecho. Nos compassos 21 a 24 o ouvinte chega a ficar ansioso pela chegada da dominante. A preparação para o retorno à tônica só ocorre no compasso 30. Temos então duas frases de 4 compassos cada (17-20 e 21-24), uma frase de 5 compassos (25-29) e a ponte para a tônica (30). Na casa 1, temos um ritornello. Na casa 2 (compasso 32), a nota que está no último tempo já é o inicio da primeira frase do desenvolvimento.




Compassos (32) 33 a 59 (60): desenvolvimento.

Comentário: Esta parte parece começar a partir da idéia do segundo tema da exposição. Pelo menos no que diz respeito ao ritmo. Os membros das frases estão sincopados. A primeira frase começa, como já foi dito, no último tempo do compasso 32. Este membro termina no primeiro tempo do compasso 34. O segundo membro desta frase vai do 34 ao primeiro temo do 36. Temos uma pequena passagem, e no primeiro tempo do compasso 37 começa a segunda frase. No compasso 38 o nosso “fio condutor” reaparece no baixo. As idéias dos dois temas da exposição vão sendo colocadas em contraposição, como se estivesse havendo uma discussão entre as duas, um embate que vai do compasso 37 ao 47, onde um rallentando acalma os ânimos. No compasso 48 um canto (bien cantado e a tempo) anuncia a volta de um outro motivo da exposição, o mesmo dos compassos 23/24 e 25/26. Aparecem idênticos nos compassos 50/51 e 52/53. Temos agora uma pequena coda do 54 ao 59. No compasso 60 está a já vista ponte de retorno para o tema principal da exposição. Finda aqui a seção desenvolvimento e tem início a re-exposição.

Compassos 60 a 90 (91/92): re-exposição.
Compassos 93 a 100: coda final.

Comentário: Como já foi dito, o primeiro tema (60 a 76) reaparece idêntico ao da exposição.
O segundo tema (77 a 88/89) nesta última parte do allegretto é que prepara todo o caminho para a coda final. Acontece que ele começa não mais no sexto grau da tônica como na exposição, mas sim no segundo. Isto vai, muito engenhosamente, abrir caminho para a conclusão deste movimento. No que diz respeito à sua estrutura rítmica e melódica, está igual à como estava na exposição. A diferença é apenas a mudança de tonalidade. Pelo menos até o compasso 88. Aqui começa o caminho para a coda final. Temos neste compasso uma escala ascendente que deixa de utilizar o si bemol e volta para a tonalidade original. No 89 e 90 temos um pequena passagem. No 91 e 92 temos a reafirmação do “fio condutor”. De 93 a 95 um arpejo em pizzicato no terceiro grau da tônica vai até o mi da 1a corda na 12a casa da escala do violão, preparando de forma soberba o último suspiro do nosso “fio condutor” e sua resposta no 96/97. Estes dois compassos parecem resumir toda a idéia do movimento. Nos três compassos finais um arpejo no primeiro grau leva 3 repetições do acorde da tônica separados por pausa e em piano. Um final bastante sereno que prepara o ouvinte para a calma do segundo movimento da sonatina: o andante.

II. Andante

Forma: ternária (A, B, A’).
Tonalidade: Ré maior (sub-dominante em relação à tonalidade principal da obra: lá maior).
Divisão rítmica: 4/4.

Compassos 1 a 8: parte A.

Comentário: De acordo com Joaquin Zamacois, “o segundo movimento de uma sonata tende a estar escrito como um movimento lento, costumando ser o momento de expressão lírica, elegíaca ou dramática mais intenso e profundo da obra. Sua forma mais comum é a de Lied, que em sua estrutura consta de três secções. Na primeira se expõe o tema principal, que geralmente aparece de novo, total ou parcialmente. A segunda é uma parte central que se compõe de elementos derivados do tema principal, ou até mesmo de uma idéia nova. Finalmente, a terceira é uma re-exposição da primeira, mas com alguma(s) variação(ões).”[4]
Este é exatamente o padrão utilizado por Torroba neste movimento da Sonatina: uma forma de lied. Realmente, trata-se de um momento bastante lírico da peça. Está bastante clara a intenção impressionista do autor. A sonoridade dos acordes lembra Debussy, criando um clima onírico para este movimento. Entretanto, a melodia nos remete também à música espanhola permanecendo fiel ao espírito nacionalista da composição. Esta primeira parte pode ser dividida em duas frases de 4 compassos. Na primeira frase, temos um membro principal no primeiro compasso, nas três primeiras notas (fá#, sol, lá). A resposta vem a seguir indo até o segundo tempo do segundo compasso, com a melodia repousando na nota lá. No quarto tempo do mesmo compasso começa o caminho que vai até o mi do compasso 4, passando por tercinas características no terceiro e quarto tempo do compasso 3. No início da segunda frase, repete-se a afirmação da primeira, sendo que a resposta toma um rumo diferente para criar a cadência no fim da frase, que é na primeira nota (lá) do compasso 8. Neste mesmo compasso, temos uma escala pentatônica indo de lá até mi, que é uma ponte, tanto para o rittornello, quanto para a mudança para a parte B.

Compassos 9 a 19: parte B.

Comentário: Nos compassos 9 e 10, temos um pequeno motivo inspirado no material da primeira parte. É uma progressão que vai do quinto grau menor na segunda inversão ao primeiro grau na primeira inversão indo para a fundamental. É um jogo de pergunta e resposta: a voz aguda afirma com um par de colcheias, uma semínima e uma mínima (lá si, mi, ré), e os o baixo responde com uma tercina e um par de colcheias (fá# mi fá#, mi re). No compasso 10, a tercina do último tempo é a conexão para o trecho seguinte nos compassos 11, 12 e metade do 13. Esta preparação do compasso 10 fez com que a melodia estivesse no baixo na primeira metade do compasso 11. Na segunda metade ela é habilmente passada para a voz aguda. O motivo rítmico com tercina e par de colcheias, ou tercina e semínima, é muito bem explorado. Do ponto de vista harmônico, parece que este trecho do 11 ao 12 está em Sol menor (iv grau menor), levando em conta os acidentes si bemol e mi bemol na melodia. No entanto o centro tonal parece continuar sendo o ré, mas com o fá bequadro caracterizando um ré menor que seria quinto grau menor de sol. No compasso 13 o si deixa de ser bemol, mas o fá continua bequadro. Da metade do segundo tempo de compasso 13 ate o final do 14, temos uma pentatônica de ré menor melódico (com o si bequadro), que é a ponte para chegar no quinto grau da fundamental (ré maior) no compasso 15, sendo que o lá maior neste compasso aparece na segunda inversão. Este trecho em lá maior vai do 15 ao 19. Com relação ao ritmo, continuamos com o mesmo material: combinações de tercinas com pares de colcheias e com semínimas. A melodia, no inicio do 15, é uma referência ao material melódico do compasso 1. No 16, a melodia prepara o quinto grau com sétima de lá maior, que aparece no quarto tempo deste compasso. Torroba utiliza com muita classe o recurso das dominantes secundárias. No compasso 17, o lá maior aparece no estado fundamental. No terceiro tempo deste compasso temos o quinto grau menor meio diminuto de lá, e no compasso 18 a repetição do 17. Uma progressão que lembra bastante a escola impressionista francesa. No compasso 19 temos a preparação para o retorno da parte A, com o quarto e quinto graus de ré maior alternando-se em tercinas.


Compassos 20 a 27: parte A’.
Compassos 27 a 36: coda final.

Comentário: Do compasso 20 ao 23, temos a repetição idêntica do trecho que vai do 1o ao 4o compasso. Na segunda metade do 24 a melodia caminha para o IV grau (1o tempo do 25). Um pequeno cromatismo, vozes em direções opostas, e na metade do 26 temos o quinto grau com sétima, preparando o 1o grau no 27. O pequeno arpejo na fundamental, com harmônicos oitavados, prepara a coda final, que terá uma dinâmica decrescente do Piano ao Pianíssimo.
Nos compassos 28 e 29, temos o quinto grau com sétima e nona. No 30 temos o sexto grau (si menor) e o segundo (mi menor). No 31 temos a preparação para o quinto com sétima que aparece no último tempo deste compasso. No 32 temos o primeiro grau se formando a partir do primeiro tempo até o segundo. No terceiro tempo deste compasso temos o quinto menor meio diminuto, a exemplo do que aconteceu no 17o e no 18o compasso, sendo que agora ele acontece relacionado com a tônica. O 33 é um prolongamento desta idéia. Os compassos 34, 35 e 36 são uma extensão cadencial na fundamental. No 34, um arpejo de harmônicos oitavados, no 35, o acorde de ré maior com harmônicos, e no último compasso, o acorde de ré sem a terça em harmônicos nas cordas graves num pianíssimo(PPP), deixando o ouvinte bastante relaxado e introspectivo para ser surpreendido com o ritmo vivo do movimento seguinte.



III. Allegro

Forma: rondó (A, B, A, C, A, coda).
Tonalidade: Lá maior (tônica).
Divisão rítmica: 3/8.

Compassos 1 a 29: parte A.
Compassos 29 a 33: ponte para a parte B (ponte 1).

Comentário: Uma nova citação do autor Zamacois se faz oportuna: “O movimento final de uma sonata costuma ser esccrito com ritmo vivo. Na forma clássica, foi adotada a forma de rondó (...) esta consiste em reapresentar um tema principal como ‘estibrillho’ , cujas diferentes aparições estão separadas por episódios intermediários com motivos diferentes e tonalidades diversas. Posteriormente, se tentou assimilar o rondó à disposição ternária do tipo sonata, com a concepção do estibrilho como primeiro tema (...).”[5]
Novamente, a descrição de Zamacois do terceiro movimento de uma sonata se encaixa perfeitamente com o que acontece no Allegro da Sonatina de Torroba. Desde o primeiro compasso vemos a indicação de caráter gallardamente, e temos ainda a indicação de dinâmica forte. A primeira frase vai do 1o compasso ao primeiro tempo do 9o compasso. Esta frase pode ser dividida em dois membros: o primeiro, do compasso 1 ao primeiro tempo do 5o , e o segundo, do 5o compasso ao primeiro tempo do 9o . Do 4o para o 5o compasso, e do 8o para o 9o temos cadencias do V para o I grau, o baixo em lá é uma nota pedal. A segunda frase vai da anacrusa do 9o ao primeiro tempo do 17o compasso. Esta progressão começa no segundo grau da fundamental (si menor), e termina no quinto (mi maior). Do 17o ao primeiro tempo do 21o temos uma frase nos baixos bastante típica da música espanhola, e do 21o ao 25o a melodia caminha de volta para a fundamental. Do 25o ao 29o temos a conclusão da parte A. Do ponto de vista rítmico, todo este trecho está calcado em cima do motivo rítmico apresentado nos 4 primeiros compassos: combinações de 4 semicolcheias nos dois últimos tempos, seguidas de uma colcheia, ou três colcheias preenchendo o compasso seguinte. Do compasso 29 ao 33 temos a ponte, que aparece diferente a cada vez que a parte A é apresentada no decorrer do rondó. Chamemos esta de “ponte 1”. Ela é construída por uma escala descendente de mi até lá, com o dó bequadro e o si natural, acabando no acorde de lá maior com sétima do compasso 33. Novamente Torroba faz uso das dominantes secundárias para a modulação para o 4o grau na parte B.

Compassos 34 a 49: parte B.
Compassos 50 a 57: ponte para o retorno de A (ponte R).

Comentário: No compasso 34, início da parte B, já estamos em ré maior (subdominante). Apesar de não haver uma nova indicação de caráter, percebe-se que se trata de um momento completamente distinto da parte anterior. A melodia, agora em nova tonalidade, parece nos remeter a um caráter mais ameno e tranqüilo. A 1a frase vai do compasso 34 ao 40, com uma típica progressão harmônica (I, ii, I7, IV, V, I). Se Torroba precisasse colocar alguma indicação de caráter neste trecho seria bien cantado. A qualidade vocal parece ser bastante perceptível aqui, tendo provavelmente algo de semelhante com a “tradicion Zarzuelera” do compositor. Seguindo, temos a segunda frase do compasso 41 ao 49, que pode ser dividida em dois membros separados por um grupo de 4 semicolcheias no compasso 45. Aliás, este mesmo grupo separa a primeira e a segunda frase no compasso 41.
No compasso 50 tem início a ponte de retorno para a parte A. Chamaremos esta ponte de “R”. Ela é construída a partir de um pedal no mi mais grave do violão e acordes arpejados, já relacionados com a tônica (lá maior), na seguinte progressão: ii, iii, IV, V. Depois, do 53 ao 56, temos uma extensão que utiliza as 4 semicolcheias na mesma nota (si) que é exatamente a dominante de mi, primeira nota do movimento e dominante da fundamental. Forma-se aí, com esta teia de dominantes secundárias, a perfeita ponte para o retorno do tema principal.

Compassos 57 a 85: parte A.
Compassos 85 a 106: ponte para a parte C (ponte 2).

Comentário: Como já foi dito, a parte A é apresentada sempre de forma idêntica, com exceção da ponte que lhe segue. Nos compassos 85 a 106 temos a ponte 2, que nos levará a uma grande sessão central modulatória que será analisada a seguir: a parte C. A ponte 2, mais extensa que a ponte 1, utiliza principalmente tercinas e cromatismo para cumprir a função de ponte modulatória, já que a parte seguinte começa na tonalidade de dó maior. Do compasso 85 ao 97, o intuito do compositor é chegar em fá, que é o IV grau da nova tonalidade. No 98 já temos o fá. Um grupo de 4 semicolcheias no lá bemol desencadeia uma escala descendente em tercinas até o sol no compasso 102. Já temos então a dominante de dó. Do compasso 102 ao 106, uma extensão cadencial nos leva V grau no compasso 107, início da parte C.

Compassos (106)107 a 181: parte C.

Compassos (106)107 a 135: sub-parte C1.
Comentário: O material rítmico é basicamente o mesmo, com exceção da formula rítmica do compasso 114. Esta formula ainda irá aparecer bastante no decorrer deste movimento, em várias partes. Ela parece remeter ao ritmo do Allegretto. Do 106 ao 114 a progressão pode ser resumida em V-I-IV-V-I. Do 114 ao 118 temos o II bemol, que também não é novidade, pois já apareceu na harmonia da ponte 1 em lá maior. Do 117 ao 121 temos um arpejo em tercinas no acorde de dó maior, uma passagem para a verdadeira pedra angular desta sub-parte: os arpejos em semicolcheias do compasso 122 ao 134. É um momento de bastante agilidade virtuosistica da peça, elemento típico da escola flamenca de violão. Do 122 ao 126, a progressão é a famosa I-IIb-III-IIb-I. Do 127 em diante a modulação começa a ser preparada. Parece estar em sol menor a partir daqui, mas é apenas uma passagem pela dominante menor. No 135 o acorde inicial ainda é dó.

Compassos (135)136 a 165: sub-parte C2.
Comentário: Os compassos 135 e 136 preparam a escala descendente em tercinas que vai do sib do compasso 137 ao mi do 138, preparando a chegada do acorde de dó#7 do compasso 139, a dominante da nova tonalidade: Fá#. O suspense entre subdominante, dominante e escalas em tercinas vai do 139 ao 147, onde o acorde aparece cristalizando a modulação. A exploração incansável e genial do material rítmico do início continua, e a progressão harmônica continua toda calcada na simplicidade do I, IV e V grau. No 159, começa a preparação para um retorno à tonalidade de lá maior. O baixo segura a nota pedal Fá#. Os acordes de I e V6/ se revezam nos compassos 159 a 163. Silenciam em dinâmica decrescente enquanto o pedal continua em tercinas. E, de repente, no 165 um fortíssimo anuncia o cromatismo do compasso seguinte e a súbita mudança de tonalidade.

Compassos 166 a 181: sub-parte C3.
Comentário: Esta sub-parte caracteriza-se principalmente pelas citações de materiais rítmicos e melódicos utilizados nos dois outros movimentos da Sonatina. Os acordes de duas notas alternados em tercinas que estão nos compassos 167 a 170 lembram, do ponto de vista rítmico, a passagem para o retorno do tema principal no Andante (compasso 19 do 2o movimento). Por outro lado, as notas utilizada nesta parte do Allegro são as mesmas dos compassos 9 e 11 do Allegretto. Até aqui, as citações são bastante sutis e até um pouco dissimuladas. Mas no compasso 170, a intenção de citar temas fica clara: temos aqui uma clara alusão ao tema principal do Andante. A divisão muda para 4/4, e temos também a indicação Andante. Esta pequena parte de apenas dois compassos é de uma clareza espetacular. Uma quebra do ritmo em que o tema é citado em mi menor, e a conexão com o discurso do 3o movimento continua sólida como rocha. A seguir temos de volta a indicação allegro. Do 173 ao 179 temos de novo o material do 114 a 117 da sub-parte C1, mas agora em ré maior, o IV grau de lá. De 177 a 181 temos uma suspensão que deixa perfeita a entrada da Ponte R no 182.

Compassos 182 a 189: ponte para o retorno de A (ponte R).

Compassos 189 a 217: parte A.


Compassos 217 a 225: ponte para a parte D (ponte 3).

Comentário: Esta ponte 3a ponte parte do mesmo material rítmico e melódico da ponte 1, mas agora em dó# maior. Do 222 ao 225 temos uma passagem para o Mi7, dominante de lá. Não há muito que dizer desta ponte, a não ser o fato de que Torroba consegue a façanha de ser, em determinados momentos, simples e convencional, sem ser monótono.



Compassos 226 a 250: parte D.
Compassos 251 a 272: coda final.

Comentário: O que temos nesta parte D, pelo menos do 226 ao 240, é a repetição do tema da parte B, que era em ré, ou seja, na subdominante, agora na tônica, em lá. Inesperadamente, no compasso 241, uma nota pedal em fá bequadro e um cromatismo na voz central modulam rapidamente a conclusão da parte D para o Fá natural, com cadencia V-I, e material rítmico da parte A.
No 251, a coda final começa em pianíssimo. O fio condutor rítmico deste terceiro movimento é colocado nos harmônicos naturais do violão. No 257 temos um forte súbito, e volta o motivo principal de A. Mas, são apenas os 4 primeiros compassos. Em 262,263 e 264 temos uma pequena passagem para a subdominante e para o iii grau. Seguindo temos pausas de colcheia. A dinâmica está em fortíssimo. O motivo é “gritado” em voz alta novamente (264/265). Seu eco aparece em harmônicos naturais (266/267) com a indicação PP. É cantado mais uma vez, e então um compasso de tercinas completa a extensão cadencial. Pausas de colcheia completam o compasso novamente, e, a seguir, um já esperado acorde de Lá maior potente e arrebatador finaliza a peça, causando no ouvinte a sensação de conclusão de uma epopéia espanhola, coerente, sólida e bela.



Conclusão.

No que diz respeito à peça de Torroba analisada neste trabalho, pouco, ou nada, posso dizer além do que já está explicado na análise. É uma peça importantíssima do repertório violonístico, construída em cima de uma estética nacionalista e ao mesmo tempo impressionista, comum aos compositores espanhóis da geração de Manuel de Falla. A estrutura tem uma enorme coerência, assim como os caminhos melódicos, as fórmulas rítmicas e os encadeamentos harmônicos. Os recursos particulares do instrumento também foram muito bem explorados pelo compositor. Rasgueados típicos nos ataques de acordes, ligados ascendentes e descendentes, notas abafadas com a mão direita (pizzicato), harmônicos naturais e oitavados, scordatura, ornamentações, enfim, um grande repertório de “truques” do violão. Torroba fez de sua “Sonatina” muito mais do que uma demonstração de virtuosismo espanhol e de introspectivismo impressionista, trata-se de uma verdadeira obra de arte de quilate genial. Não é a toa que tornou-se uma de suas obras mais conhecidas.


Bibliografia.

· BAS, Julio. Tratado de la forma musical. Buenos Aires, ed. Ricordi, 1947.
· Dicionário de termos musicais Groove. 5a Edição.
· DUDEQUE, Norton. História do violão. Curitiba, Ed. UFPR, 1994.
· ZAMACOIS, Joaquin. Curso de las formas musicales. Barcelona, Ed. Labor, 1960.
Sítios pesquisados na internet.
http://www.biografiasyvidas.com/biografia/m/moreno_torroba.htm
· http://www.geocities.com/lazarzuela20/autortorroba.htm
· http://www.unizar.es/departamentos/filologia_inglesa/garciala/bibliography.html
· http://www.tvcultura.com.br/ link: Rádio Cultura FM.http://planeta.terra.com.br/arte/violao_intercambio/Ultimaedicao/ArtedoViolao/Artedoviolao.htm
[1] DUDEQUE, Norton. História do Violão. P. 86
[2] Dados extraídos da internet nos sítios http://www.geocities.com/lazarzuela20/autortorroba.htm e http://www.biografiasyvidas.com/biografia/m/moreno_torroba.htm .
[3] na internet em http://planeta.terra.com.br/arte/violao_intercambio/Ultimaedicao/ArtedoViolao/Artedoviolao.htm
[4] in ZAMACOIS, Joaquin. Curso de las formas musicales. P. 119
[5] ZAMACOIS, Joaquin. Curso de las formas musicales. P. 121.