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segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Comparando "Scarlattis": a escuta musical de diferentes meios para a obra do mesmo compositor.

 Olá ...



Mais um pequeno exercício de escuta musical comparativa. Na postagem de hoje a proposta é ouvir três álbuns de diferentes instrumentos abordando a obra do mesmo compositor. No caso, a música escrita originalmente para cravo, do compositor barroco Domenico Scarlatti (1685-1757), sendo executada em três meios diferentes: o violão, o piano e o cravo. 

A importancia deste compositor dentro da tradição dos instrumentos harmônicos na música clássica ocidental é imensurável, e seu grande testamento são suas 555 Sonatas escritas diretamente para o cravo. Não estamos falando da sonata com vários movimentos do período clássico, ou da forma sonata que se desenvolve no séc. XVIII. As Sonatas de Scarlatti são, em sua maioria, movimentos únicos escritos em forma binária. Apenas algumas dessas obras não foram dedicadas ao cravo. Um pequeno grupo de 4 Sonatas é dedicado ao orgão, enquanto outras 5 delas são dedicadas a uma pequena formação instrumental (Sonatas para solista e continuo, essas sim são escritas com vários movimentos). Sendo assim, as 555 Sonatas de Domenico Scarlatti formam um dos mais importantes compêndios de obras escritas para o cravo no período barroco. Mais tarde estas obras serão incorporadas ao repertório do piano moderno.

É dificil afirmar com precisão quando, e como, essas obras começaram a ser incorporadas também ao repertório do violão. É provável que as primeiras transcrições tenham aparecido na primeira metade do séc. XX, através de nomes como Emilio Pujol e/ou Andres Segóvia. Recomendo bastante a leitura deste tópico em um conhecido forum de violão:

https://violao.org/topic/24676-falando-sobre-repertorio-28-domenico-scarlatti/

Vamos agora aos álbuns que proponho que sejam ouvidos como uma saudável maneira de apreciar e comparar a música de Scarlatti em diferentes meios. Os três álbuns que vou sugerir aqui podem ser encontrados (na data desta postagem) em plataformas de streaming. Vou deixar como sugestão links para o Youtube Music, por ser a plataforma que uso atualmente. Mas é totalmente possível encontrar os mesmos álbuns em outras plataformas ou mesmo ouvi-los através de uma midia física como o CD, por exemplo. 

O primeiro álbum é do cravista Trevor Pinnock

https://music.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_mE6Y6KblywNzE-LuxzNAs7IZxUK3zGuUY&feature=share 

Na verdade, esse é um LP do cravista Trevor Pinnock gravado na igreja de St Margaret, na Inglaterra, em 1981, relançado em CD em 1995, e publicado em plataformas digitais em 2007. Aqui ouvimos uma interpretação bastante ligada ao movimento de música antiga dos anos 70. As frases são muito bem cuidadas e a articulação impecável. Importante observar como a ornamentação funciona com perfeita organicidade no cravo. O ouvinte que está começando na escuta de instrumentos de época pode estranhar o som um pouco mais pontiagudo do cravo. Já conversei com muitos pianistas que dizem odiar o som do cravo. Acho que é uma questão de ter a imaginação aberta para a história também ... eu acho fascinante pensar no som dos instrumentos de época como uma máquina do tempo para a imaginação. Mas, além disso, realmente gosto desse som mais afiado do cravo. Acho perfeito para a música que foi feita pra ele. As polifonias soam com clareza, as ornamentações não parecem exageradas ou difíceis, enfim, tudo parece adequado. Nesse álbum, Trevor Pinnock consegue nos transportar realmente não apenas para a época barroca, mas, mais do que isso, para o âmago das experimentações harmônicas de Domenico Scarlatti em suas Sonatas.

Vamos para o nosso segundo álbum, entrando agora na sonoridade escura, grave, aveludada e profunda do piano moderno. O álbum que proponho aqui é um CD duplo do pianista russo Mikhail Pletnev. Eu tenho a alegria de possuir este CD aqui em mídia física, e posso dizer que soa muito melhor do que no streaming, pelo menos aqui no meu equipamento e na data em que estou escrevendo esse texto. Mas este trabalho pode ser facilmente encontrado também nas plataformas digitais. No Youtube Music ele foi publicado em 2 volumes separados, por isso vou colocar os dois links aqui:

https://music.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_lEXOM53ZAlVPiZuVmf731UVuu5SjlSrgQ&feature=share 

https://music.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_lONTv0qw1XGjlG5mKFtAp5i1DDwRC_V_0&feature=share 

De acordo com as informações no encarte do CD de Pletnev, essa gravação foi feita em outubro de 1994, nos estúdios Abbey Road, em Londres, em um piano Steinway. Mikhail Pletnev é um virtuose da moderna escola russa do piano. Por isso, a gente sente um pouco mais de romantismo pianístico em sua interpretação de Scarlatti. Mas, por favor, não me entenda mal. As interpretações de Pletnev neste CD são incrivelmente bem informadas do ponto de vista histórico, tanto no que concerne à ornamentação, quanto às articulações. Os desafios técnicos são vencidos com facilidade e a música flui como água. Recomendo uma boa pausa e um café antes de sair do cravo para o piano moderno. A mudança é realmente drástica. Um outro conselho para os ouvintes mais iniciantes: tentem ouvir comparativamente, mas sem julgar qual o seu preferido. Para crescer musicalmente, a escuta atenta e analítica de timbres de instrumentos diferentes é muito importante, mas, além disso, precisamos ter a noção de que os julgamentos definitivos relacionados ao nosso "gostar" musical, podem muitas vezes nos confundir bastante.

Finalmente, chegamos ao nosso terceiro álbum Scarlattiano do dia. Agora vamos experimentar ouvir Domenico Scarlatti soando na madeira na qual habitamos, que é a caixa acústica e misteriosa do violão. O álbum que sugiro é um CD do violonista brasileiro Fabio Zanon, totalmente dedicado a apresentar as transcrições do próprio violonista para algumas das Sonatas do compositor italiano que é objeto da nossa postagem. E, como dá para ver na foto no inicio do post, também possuo este CD em mídia física, meio que sempre é preferível para mim. De qualquer forma, encontrei este álbum no Youtube Music também:

https://music.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_mneDruQalsDrhw9ru0rxT9MgeMCd97em0&feature=share 

Aqui, principalmente o ouvinte violonista mais iniciante, precisa ter uma noção da arte da transcrição. Mesmo entre os músicos mais cultos, essa palavra pode ter diferentes significados. É importante entender que nos referimos a "transcrição" como uma tradução da linguagem de um instrumento para outro, nesse caso, do cravo para o violão. Se você é iniciante na música e no violão, sugiro ler um pouco sobre o assunto. O violão tem atualmente um repertório próprio muito vasto e rico. Mas, muito do que precisamos estudar para adquirir domínio de linguagem em nosso instrumento, inclui transcrições. Sendo assim, é fundamental entender o assunto começando pela terminologia. Se puder, leia os dois pequenos textos na Wikipedia, versão inglês e português. Eles não são iguais.

https://en.wikipedia.org/wiki/Transcription_(music) 

https://pt.wikipedia.org/wiki/Transcri%C3%A7%C3%A3o_(m%C3%BAsica) 

Voltando ao álbum de Fabio Zanon, apreciaremos aqui não somente a maestria do violonista, mas também a genialidade das transcrições. As ornamentações em cordas duplas e/ou com ligados de mão esquerda surgem sem esforço, as linhas melódicas são apresentadas com clareza, os rudimentos polifônicos aparecem cristalinos e a sonoridade cravística é sugerida sem paródias e com muita elegância. Em certos momentos, como na seção central da Sonata K.394, por exemplo, o violão parece despejar uma verdadeira cascata de notas, mas sem parecer forçado ou espremido. Pelo contrário, a fluência é uma forte característica nas interpretações apresentadas no álbum. Por conta da própria natureza do violão, não tenho a sensação meio líquida das interpretações pianísticas, deixando assim o violão como meio termo sonoro entre o cravo e o piano. Mas, claro, isso é apenas um ponto de vista. 

Espero que tenha sido útil a experiência de comparar esse três álbuns. Precisamos muito lembrar que nosso melhoramento constante como músicos está totalmente atrelado ao nosso desenvolvimento como ouvintes e apreciadores de música. O melômano não surge pronto, ele constrói a si mesmo com a prática constante da escuta.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Melomania 


Revisão de texto e "tremenda força": Maria Flor ❤


Grande abraço musical e bons estudos.

[]

:)

JPP


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