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quarta-feira, 9 de julho de 2025

A Arte de Ouvir Música: Reflexões.


 Olá, leitor! Antes de começarmos, um lembrete especial: em 2025, o The Tao of the Guitar completa 20 anos no ar! Desde 2005, seguimos juntos compartilhando nossa paixão pelo violão clássico e pela música em sua essência. Hoje, vamos explorar um tema fundamental: a importância de ouvir música (especialmente gravações) na formação do instrumentista. Parece óbvio? Garanto que não é tanto assim.

1. O que é ouvir música?

Ouvir música vai muito além de deixar o som de fundo enquanto fazemos outra coisa. Aaron Copland, em seu clássico "Como Ouvir e Entender Música", propõe que a escuta musical envolve níveis de atenção: o sensorial (sentir o som), o expressivo (perceber emoções) e o puramente musical (analisar estrutura, forma, harmonia). Para Copland, ouvir de verdade exige intenção, reflexão e entrega.

Neste texto, focamos na tradição da música clássica ocidental, reconhecendo que discutir "o que é música" seria um tema gigantesco. O ponto central aqui é a importância de refletir sobre as diferentes formas de ouvir gravações, especialmente para estudantes de música. Isso envolve desde paradoxos filosóficos até questões práticas: equipamentos, mídias, colecionismo, streaming, etc.

O objetivo é simples e profundo: para ser um bom músico, é preciso antes de tudo ser um bom ouvinte. E isso, acredite, não é tão óbvio quanto parece.

2. O Paradoxo Leonhardt: Ouvir Música x Ouvir Gravações

O cravista Gustav Leonhardt, referência absoluta na música barroca, dizia: "Só existem duas formas de se fazer música: ensinando e tocando ao vivo num palco". Mesmo tendo gravado dezenas de discos, Leonhardt defendia que gravações não são música, mas sim documentos — importantes, mas incapazes de substituir a experiência ao vivo.

Músicos próximos a ele, como Nikolaus Harnoncourt (em "O Discurso dos Sons"), reforçam essa ideia: a música só existe plenamente no momento da execução, no espaço acústico, na interação com o público. Hopkinson Smith, alaudista renomado, também destaca a insubstituível experiência de ouvir instrumentos acústicos em salas sem amplificação.

Por isso, é fundamental para estudantes de música frequentar concertos, sentir o som direto do instrumento, perceber nuances impossíveis de captar em gravações. Quando ouvimos um disco de Segovia, ouvimos uma gravação — não o Segovia em si. Parece óbvio? Não é. O esvaziamento das salas de concerto é uma tragédia silenciosa para a música verdadeira.

3. Modernidade: A Cultura Visual do Século XXI

Vivemos numa era em que se vê mais do que se ouve. O Youtube, as playlists do Spotify e a avalanche de vídeos mudaram a relação do estudante com a música. Oliver Sacks, em "Alucinações Musicais", discute como o que vemos influencia profundamente o que ouvimos, alterando inclusive nosso julgamento estético.

Não há nada de errado em ver vídeos, mas há um problema quando isso substitui a escuta atenta de álbuns completos. Playlists fragmentam obras, especialmente na música clássica, onde a unidade do álbum é fundamental para a compreensão do repertório, da narrativa e da intenção do intérprete.

Ser um bom ouvinte de gravações exige desenvolver a habilidade de escolher o que ouvir, conhecer discos, intérpretes, técnicas de gravação, história das obras e dos selos. Isso não se aprende pulando de vídeo em vídeo ou de faixa em faixa.

4. Colecionismo de Discos e Streaming de Música

O streaming é prático e essencial — eu mesmo uso e recomendo. Mas acreditar que um estudante de música não precisa colecionar mídias físicas é um equívoco. O CD, por exemplo, oferece qualidade de áudio superior ao streaming padrão, além de encartes, textos, artes gráficas e informações que enriquecem a experiência e o aprendizado.

Estudos mostram que o contato com mídias físicas aprofunda o envolvimento do estudante com a obra, favorecendo a compreensão histórica, estética e técnica. Colecionar discos, sejam vinis, CDs ou mesmo arquivos digitais organizados e documentados, é um ato de respeito e culto à música. O streaming, por sua natureza efêmera, não oferece essa profundidade.

5. Equipamentos: A Qualidade Importa

Com tanta tecnologia disponível, muitos negligenciam a importância dos equipamentos. Ouvir gravações como estudante de música sem se preocupar com a qualidade do som é inadmissível. Bons fones de ouvido, caixas de som adequadas e, se possível, um sistema hi-fi fazem toda a diferença.

Nos anos 1970 e 1980, era comum arquitetos pensarem um espaço da casa dedicado à audição musical, com sistemas de som de qualidade. Hoje, a prioridade parece ser o sofá e a TV. Essa mudança cultural, acelerada pelo streaming e pelo uso de celulares, faz com que percamos muito mais do que imaginamos em termos de experiência musical.

Para quem quer começar: marcas como Sennheiser, Audio-Technica e AKG oferecem ótimos fones de ouvido. Canais como "Darko Audio" e sites como "What Hi-Fi?" defendem a cultura do áudio de qualidade e trazem dicas para todos os bolsos.

https://www.youtube.com/@DarkoAudio

https://www.youtube.com/@whathifi


6. Ser um Ouvinte de Música Virtuoso

Aqui está o ponto central: desenvolver habilidades como ouvinte está diretamente ligado ao desenvolvimento como instrumentista. Ser ouvinte de música clássica envolve:

    • Discernir períodos históricos, estilos e linhas interpretativas.

    • Conhecer a história da música, dos intérpretes, compositores, gravadoras e selos.

    • Perceber aspectos técnicos: escalas, modos, harmonias, ritmos, instrumentação, formas e estilos.

    • Refletir constantemente sobre os próprios hábitos de escuta, buscando sempre aprimorar a percepção e a compreensão musical.

Aaron Copland reforça que o ouvinte atento é capaz de perceber detalhes estruturais e expressivos que escapam ao ouvinte casual. Essa escuta ativa é o que transforma o estudante em músico completo.

7. Conclusão

A intenção deste texto é provocar reflexão: como estudantes e amantes da música, precisamos repensar nossos hábitos de escuta, a cultura das gravações, o papel da indústria e as armadilhas do marketing do streaming. Ouvir música — de verdade — é um ato de entrega, estudo e celebração. Que possamos cultivar, cada vez mais, o hábito de ouvir com atenção, respeito e paixão.

Bibliografia

    1. Copland, Aaron. Como Ouvir e Entender Música.

    2. Zuk, Patrick. “Gustav Leonhardt: A Life in Music.” The Musical Times, 2012.

    3. Harnoncourt, Nikolaus. O Discurso dos Sons.

    4. Sacks, Oliver. Alucinações Musicais.

    5. Day, Timothy. A Century of Recorded Music: Listening to Musical History.

    6. Katz, Mark. Capturing Sound: How Technology Has Changed Music.

    7. Milner, Greg. Perfecting Sound Forever: An Aural History of Recorded Music.

    8. Bartmanski, Dominik & Woodward, Ian. Vinyl: The Analogue Record in the Digital Age.

    9. Toole, Floyd E. Sound Reproduction: The Acoustics and Psychoacoustics of Loudspeakers and Rooms.

    10. Owsinski, Bobby. The Audiophile’s Project Sourcebook.

    11. Chion, Michel. A Música no Cinema: Ouvir, Ver, Sentir.

Sinta-se à vontade para comentar, discordar ou compartilhar suas experiências nos comentários. E, claro, continue ouvindo — de verdade!

Para concluir nosso post de hoje com música, aqui está um link para um álbum incrível da pianista Alice Sara Ott interpretando os "Études d'Exécution Transcendante" de Liszt. Afinal de contas, é muito importante ouvir outros instrumentos além do que você toca e estuda. Aproveite este disco fantástico.

https://music.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_l2TBYjZqM0omuP2-XSFhmrblUpVOFlIVQ&si=PhWPcciLMWIxWqr5


Bons estudos e até nosso próximo post.

:)

[]

João Paulo Pessoa.


Um comentário:

Joao Paulo Pessoa disse...

Este é, sem dúvida, um dos posts mais importantes que já publicamos aqui no The Tao of the Guitar. Falar sobre a arte de ouvir música, especialmente para estudantes de violão clássico, é abordar a base essencial para qualquer músico que deseja crescer de verdade. Muitas vezes, a escuta é subestimada ou vista como algo óbvio, mas ela é o alicerce para o desenvolvimento técnico, interpretativo e artístico. Refletir sobre como ouvimos, o papel das gravações, da música ao vivo, dos equipamentos e até do colecionismo, é fundamental para formar músicos mais conscientes, sensíveis e preparados. Espero que este texto inspire nossos leitores a cultivarem um ouvido mais atento e uma relação mais profunda com a música.